Músico Lúcio Yanel faz
serenata para a esposa com Alzheimer: 'A alma dela deve estar lá'
Chef de cozinha Sueli
de Fátima Teixeira, de 62 anos, foi diagnosticada com doença há 10 anos. Música
tem aliviado as crises de choro da esposa e aproximado o casal, junto há 25
anos.
Por Lilian Lima, G1 RS
Músico faz serenatas
diárias para a esposa, diagnosticada com Alzheimer
Foto: Lúcio Yanel/Arquivo
pessoal
As serenatas na casa do
músico Lúcio Yanel, 72 anos, têm ganhado um motivo especial. Morando em Caxias
do Sul, na Serra do Rio Grande do Sul, o violinista e folclorista argentino,
radicado no Brasil, usa a música para se aproximar da mulher, a chef de cozinha
Sueli de Fátima Teixeira, de 62 anos, diagnosticada com Alzheimer há uma
década.
"A alma dela deve
estar lá. Tenho feito isso todos os dias. Pego o violão, toco para ela, tento
me comunicar pela música. Às vezes ela tira o olhar de um ponto fixo e olha
para mim. Faço isso para atrair sua atenção, penetrar na sua alma", conta
o compositor.
No estágio mais grave
da doença, ela não fala e passa os dias na cama. Na última quarta-feira (23),
Yanel publicou uma foto no Facebook em que toca para a esposa. A publicação já
teve mais de 62 mil compartilhamentos.
"Já faz alguns
anos, que o maldito Alzheimer, vai me roubando a minha amada companheira. E
para que me sinta ao seu lado, minhas serenatas diárias. Ela é Sueli de Fátima,
amada companheira, tu é o meu melhor público", escreveu Yanel na
publicação.
A foto foi tirada pelo
filho do casal, Pedro, de 24 anos. "Foi espontâneo. Dificilmente
conseguimos transportar ela da cama. Naquele dia pedi ajuda para meu filho.
'Vamos levar ela para ver o lindo sol, um lindo dia. Quem sabe dá uma reação e
acontece alguma coisa'".
Juntos há 25 anos, o
casal se conheceu em Porto Alegre, quando o músico esteve no restaurante em que
Sueli trabalhava. Os dois eram viúvos e tinham filhos de outros casamentos.
"Quando vi aquela belezura, aquela gaúcha forte, me apaixonei".
Foi a gastronomia que
fez a família perceber os primeiros sintomas da doença. Sueli passou a esquecer
receitas e já não cozinhava mais. "De repente ela não sabia nem fazer
carreteiro".
Para Yanel, ver a
mulher, que sempre foi ativa, perder o controle da própria vida gera angústia e
impotência. "Tudo que eu faço parece que é pouco. Uma mulher simples,
forte, inteligente. Nada fazia pensar que poderia ter esse enlace na vida. É
uma chamada para todos nós. Parece que estamos bem e já não somos nada. E não
somos nada".
Na tentativa de chamar
a atenção de Sueli, o músico explora as canções favoritas da esposa antes da
doença, principalmente as músicas gaúchas antigas. "É um momento em que tentamos
adoçar a vida dela. Quando eu consigo fazer ela parar de chorar com minhas
canções, eu consigo emocionar meu melhor público".
No Brasil há 40 anos,
Yanel é considerado um dos fundadores da "escola do violão gaúcho",
da qual Yamandú Costa é um dos nomes mais representativos. O violonista tocou
ao lado de músicos argentinos consagrados como Astor Piazzolla, Mercedes Sosa,
Atahualpa Yupanqui e Antonio Tarragó Ros.
No Rio Grande do Sul,
participou de inúmeros festivais e gravou com Gilberto Monteiro, Joca Martins,
Luiz Marenco, Bebeto Alves, Jayme Caetano Braun e César Oliveira e Rogério
Mello, além de ter composições ao lado de Renato Borghetti, Noel Guarany,
Gaúcho da Fronteira e Luiz Carlos Borges.
Apoio para as famílias
Yanel e Pedro se
revezam nos cuidados com Sueli. O violinista chama a atenção para para a falta
de uma rede de apoio para famílias com pacientes diagnosticados com Alzheimer.
"Há que se criar centros de cuidado e informar os familiares. As famílias
precisam de voluntários. Essa doença precisa ser tratada em grupos familiares.
É difícil acompanhar o cotidiano de um paciente".
O compositor relembra a
dificuldade do início do tratamento e da falta de informação de como lidar com
a esposa depois do diagnóstico. "Meu grupo familiar sou eu e meu filho.
São duas pessoas se quebrando e chorando juntas nessa situação. Nós,
familiares, precisamos de todos os tipos de ajuda".
Alzheimer
O Alzheimer é uma
doença neurodegenerativa, causada pela morte progressiva de células do cérebro,
prejudicando funções como memória, atenção e orientação e linguagem, o que gera
graves consequências para qualidade de vida dos pacientes. A doença não tem cura.
No Brasil, estima-se
que existam cerca de 1,2 milhão de pessoas com Alzheimer - são cerca de 100 mil
novos casos por ano. Não se sabe a causa da doença, mas o modo de ação dela vem
normalmente de uma proteína chamada betamiloide, que se deposita no cérebro em
algumas áreas específicas, vai formando placas e causando danos na comunicação
dos neurônios.