RETRATO DA SEMANA

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Identidade Visual dos Festejos Farroupilha 2024 / Cintia Matte Ruschel

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

UMA JORNADA PAMPA ADENTRO



 
Textos: Marcelo Gonzatto
Fotos: Tadeu Vilani

Ofício que ajudou a moldar o Rio Grande do Sul, a povoar e unir esse vasto pedaço de chão ao resto do país, ainda vive. Fundadores de cidades, construtores de estradas, inspiração para versos, canções e pinturas, os tropeiros seguem riscando o mapa gaúcho na condução vagarosa dos rebanhos de gado. Não cruzam mais os campos em grande número, como até meados do século passado, quando fervilhavam no pampa a serviço de fazendeiros. Mas um punhado de herdeiros dessa lida resistiu à concorrência moderna de trens e caminhões, e preserva um meio de vida a céu aberto que faz parte da história e da cultura local.

Como carregar os animais sobre rodas é dispendioso em trechos de estrada de chão e difícil acesso, onde o frete chega a ser duas vezes mais caro do que no asfalto, os tropeiros do século 21 sobrevivem tocando levas de gado nos rincões mais remotos a um preço que chega a representar apenas um quarto do custo viário. Resistem ao tempo e às inovações tecnológicas também por serem os únicos capazes, muitas vezes, de vencer esses terrenos acidentados, lonjuras onde as BRs e as RSs não se aprochegam muitas delas, implantadas sobre traçados que os pioneiros das tropas ajudaram a sedimentar com a batida pachorrenta das patas de seus cavalos, mulas e bois.

- Essa atividade foi fundamental para o povoamento do Estado, já que os pousos de tropeiros deram origem a cidades como Passo Fundo. E rodovias como a BR-101 surgiram de antigas rotas de tropas que, por sua vez, seguiram trilhas indígenas - afirma o historiador Moacyr Flores, autor do livro Tropeirismo no Brasil.

Nos dias atuais, esses homens cumprem trajetos bem mais curtos do que quando percorriam a rota de Viamão ao antigo entreposto comercial de Sorocaba (SP). Viajam dentro de um mesmo município ou entre cidades próximas, mas se sujeitam às mesmas condições inóspitas do passado: acordam antes do sol surgir, dormem ao relento, mesmo sob frio e chuva, enrolados apenas no pelego e no pala em meio à imensidão escura do pampa. Algumas vezes, levam o gado até um ponto acessível para o embarque em caminhões. Em outras, cumprem todo o trajeto para levar os bichos de uma estância a outro pasto ou dono.

Embora sejam cada vez mais raras as tropeadas, em cidades como Santana do Livramento há dois ou três profissionais renomados que perpetuam a atividade. Chamados de capatazes, os comandantes das tropas são contratados pelos fazendeiros (ou "patrões") e recrutam os demais auxiliares da empreitada, chamados peões, sob compromisso de que nenhum bicho se perca pelo caminho. Isso exige um profundo conhecimento do terreno e do manejo com animais para evitar ameaças advindas da exaustão ou de rios capazes de arrastar um boi como se fosse um barquinho de papel.

Para mostrar como vivem e trabalham os tropeiros do terceiro milênio, ZH acompanhou uma viagem de mais de 80 quilômetros, realizada por um grupo de quatro gaúchos no interior de Livramento. De norte a sul da vasta área rural, ao longo de quatro dias, enfrentaram frio à noite e calor durante o dia, temporal dos brabos, rios cheios sem ponte para atravessá-los e o mesmo sol inclemente que iluminou seus antecessores.

Os números

São 4 tropeiros, 16 cavalos, 365 cabeças de gado e duas cachorras ovelheiras. Criador pagou R$ 2 mil pelo transporte dos bois. Por via rodoviária, serviço teria custado R$ 8,4 mil.