RETRATO DA SEMANA

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Reis Magos Gaúchos - Berega

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

A GUERRA DOS FARRAPOS - PARTE I


Caros leitores do blog. A partir de hoje, até o dia 15 de setembro, estaremos fazendo um relato histórico sobre a Revolução Farroupilha, que foi de 20 de setembro de 1835 até 11 de setembro de 1836 e a Guerra dos Farrapos que estendeu-se até meados de 1845. Por ser uma matéria um tanto extensa, a mesma será quarteada em 10 partes que vão dos antecedentes da revolução até o tratado de paz de Ponche Verde. Esperamos que os amigos apreciem as postagens e que possamos colaborar com um pouco mais de conhecimento sobre este decênio épico que veio solidificar a identidade do povo gaúcho. Boa leitura.  

As Charqueadas, um dos motivos das discórdias.

ANTECEDENTES DA REVOLUÇÃO
 
Através da criação de gado e da produção de charque, o Rio Grande do Sul integrou-se à economia central de exportação de forma subsidiária, como abastecedor do mercado interno. Com isso, o Rio Grande passava a possuir uma riqueza econômica, deixando de ser considerado apenas como ponto estratégico da defesa do contrabando no Prata.

Na verdade, estes foram processos que ocorreram interligados ao longo do século XVIII: de um lado, a apropriação econômica da terra, por parte de particulares, mediante o saque e a violência contra os espanhóis; de outro, a preocupação oficial lusa com o comércio platino, implicando disputas e controvérsias em torno da posse de Sacramento e das Missões.

Em face do permanente estado de alerta, mais contavam para a defesa da terra as forças irregulares da campanha gaúcha - os estancieiros com seus homens - do que propriamente as tropas de linha, sediadas em Sacramento ou em Rio Grande, reduto militar fundado pela Coroa em 1737.

Além dos sucessivos incidentes de tomada e retomada da Colônia do Sacramento pelos portugueses, o Rio Grande do Sul sofreu três invasões castelhanas em seu território, além de ser palco da chamada "Guerra Guaranítica", que envolveu tropas luso-castelhanas em um combate com os índios missioneiros, tentando obrigá-los a abandonar as reduções em obediência às disposições do Tratado de Madri. Assinado em 1750 entre as duas nações ibéricas, este tratado estabelecia que as Missões passariam para o domínio português, ficando Sacramento com a Coroa espanhola, não chegando contudo a se efetivar a troca. Dentro deste contexto de verdadeiro acampamento militar a que ficara reduzido o Rio Grande, estabeleceu-se um modus vivendi entre a Coroa e os senhores locais. Além da terra que lhes era concedida, os estancieiros passaram a ocupar cargos de chefes e guardas da fronteira. Este poder dos senhores de terras, exercido na maior parte das vezes em defesa de seus interesses privados, entrava seguidamente em choque com a autoridade dos comandantes militares que representavam os interesses da Coroa no Rio Grande.

Se, por um lado, a economia gaúcha antes do fim do século não atingira ainda um grau de estabilidade e rendimento que desse respaldo ao poder dos senhores locais, por outro lado, a importância militar do estancieiro-soldado com suas tropas fez com que a Coroa permitisse uma certa autonomia do poder local em relação à administração lusa.

Desta forma, a apropriação econômica da terra foi acompanhando a apropriação militar: em cada nova area conquistada aos espanhóis, eram distribuídas sesmarias para a criação de gado. No final do século XVIII, o enriquecimento proporcionado pelo charque contribuiu para agravar os pontos de atrito existentes entre a camada senhorial local e os representantes da Coroa. Clãs familiares enriquecidos passaram a pressionar o governo no sentido de obter cada vez mais poder e autoridade, usufruindo dos cargos em proveito da consolidação da sua riqueza.

Um exemplo dessa interferência foi a política de redistribuição de terras iniciada a partir de 1780, quando começou o processo de expropriação dos antigos proprietários, como os colonos açorianos ou mesmo detentores de sesmarias da primeira fase de expansão da fronteira, em função da nova elite enriquecida. Conforme depoimento da época, ocorreu uma verdadeira "febre" na corrida pelas sesmarias, registrando-se muitos abusos. Referia-se, em 1808, Manoel Antônio de Magalhães, no seu Almanaque da Vila de Porto Alegre, à apropriação de terras no Rio Grande do Sul:
"Um homem que tinha a proteção tirava uma sesmaria em seu nome, outra em nome do filho mais velho, outras em nome da filha e filho que ainda estavam no berço, e deste modo há casa de quatro e mais sesmarias: este permicioso abuso parece se deveria evitar."

Na verdade, os agentes da Coroa no Rio Grande do Sul não eram os representantes dos fazendeiros nem os defensores dos seus interesses, mas o poder colonial, por razões militares, era obrigado a ceder às ambições dos chefes locais, dando-lhes terras, fazendo "vista grossa" aos abusos de poder que se registravam".
Paralelamente ao florescimento das charqueadas gaúchas, surgiram estabelecimentos similares no Prata - os saladeiros - que passaram a disputar com o produto rio-grandense o abastecimento do mercado interno brasileiro, além de controlarem o fornecimento para Cuba.

No final do século XVIII, o charque tomou-se o primeiro produto de exportação do Vice-Reinado do Prata e a base de sua economia, reorientando a criação de gado para fins mercantis.

Desde 1778 vigorava o regime de livre comércio, o que permitiu aos saladeiristas, fazendeiros e comerciantes manterem uma atividade de exportação em crescimento.

No mesmo intuito de beneficiar o setor de ponta da economia platina, foi concedida a isenção de direitos de importação sobre o sal de Cádiz (insumo fundamental para a produção do charque) e, pelas Reais Ordens de 10.4.1793 e 20.12.1892, estabeleceu-se a isenção dos direitos de exportação sobre as carnes salgadas. Tais incentivos, concedidos pelas autoridades, acarretavam um menor custo de produção para os saladeiros platinos, permitindo que eles colocassem sua produção a um mais baixo preço nos mercados brasileiros.

O charque rio-grandense, no caso, não era objeto de iguais medidas protecionistas ou de especial atenção das autoridades, uma vez que se tratava de uma economia subsidiária da economia central de exportação.

Entretanto, essas melhores condições de desenvolvimento do charque platino, sob amparo governamental, foram anuladas, em face das perturbações políticas ocorridas na região no início do século XIX. De 1810 a 1820, o Prata esteve envolvido em guerras de independência, que determinaram a crise dos saladeiros locais. Essas perturbações políticas na área, que iniciaram com a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata em 1810, sob a hegemonia de Buenos Aires, prosseguiram em disputas internas entre as forças da chamada Banda Oriental (hoje República do Uruguai) contra a supremacia argentina e culminaram com as invasões das tropas de D. João, no Prata. Em 1820, a Banda Oriental foi anexada ao Brasil com o nome de Província Cisplatina, o que terminou por desorganizar totalmente a produção saladeiril da região. O gado uruguaio foi então orientado para as charqueadas rio-grandenses, seus peões incorporados ao exército brasileiro e vários fazendeiros e militares sulinos estabeleceram-se com estâncias em território oriental.

Face, pois, a perturbações políticas ocorridas na região, o Rio Grande do Sul pôde suplantar seu concorrente no abastecimento de charque no mercado interno brasileiro.

O fortalecimento econômico dos pecuaristas rio-grandenses tendeu a se expressar também no plano político-administrativo. Nos momentos finais do domínio colonial português no Brasil, começaram, assim, a surgir áreas de atrito cada vez maiores entre os representantes da Coroa na região e a camada senhorial sulina, enriquecida pela pecuária em ascensão.