Circula por aí uma
manifestação da violinista e etnomusicóloga Clarissa Ferreira, nascida em Bagé
e residindo atualmente no Rio de Janeiro, onde cursa doutorado.
Clarissa, em sua
crônica, se debruça em dois pontos principais. Na proibição de mulheres no
Festival da Barranca, em São Borja, e nas dificuldades encontradas pelas
mulheres dentro da musicalidade gauchesca e do meio tradicionalista como um
todo.
Sem prejudicar o
contexto, publicamos abaixo alguns tópicos principais de sua manifestação:
"Os
mesmos jornais que noticiam o acontecimento do festival também evidenciam a
ausência de mulheres, o que demonstra a qualidade, no mínimo excêntrica, deste
evento. Afinal, que festivais de música atualmente proíbem a entrada de
mulheres? (Quando comento fora do estado que no Rio Grande do Sul existe um
festival com estas características as pessoas ficam estarrecidas!).
Os
motivos para a proibição de mulheres no festival seriam dignos de riso se não
fossem altamente nocivos. O risco de assédio às mulheres, caso a presença fosse
permitida, é o mais enfatizado. Que isso pudesse ocorrer não temos dúvida,
afinal mulheres sofrem assédio praticamente todo o momento e em todos os
lugares. Esta justificativa explicitamente reduz a mulher a objeto sexual como
sendo esta sua única função.
Também
argumentar sobre as condições precárias de estadia como justificativa, só
demonstra como ainda a mulher é vista como frágil, estando sempre subordinada
ao homem (resistente macho provedor).
Todas
as justificativas que ouço sobre a proibição de mulheres no festival, ao meu
ver, recaem em uma única explicação: a falta de interesse em ouvir o que a
mulher tem a dizer. Vocês já se perguntaram como seriam nossos entendimentos
sobre a cultura gauchesca? Por que o eu-lírico da música gaúcha tem que ser
sempre masculino? Possivelmente seja porque nossos discursos não tenham por
objetivo exaltar o mundo masculino (e suas peripécias) que é o que parece ser o
cerne e o intento da cultura gauchesca.
Por
que o eu-lírico da música gaúcha tem que ser sempre masculino? Possivelmente
seja porque nossos discursos não tenham por objetivo exaltar o mundo masculino
(e suas peripécias) que é o que parece ser o cerne e o intento da cultura
gauchesca. Esta, como sabemos, foi construída e alicerçada a partir das
representações do masculino. Segundo o antropólogo Roberto Da Matta “afigura
masculina é predominante nos locais que, como o Rio Grande, tem suas
identidades forjadas pelas questões políticas. Os gaúchos foram republicanos
antes do restante do país. E o que quer dizer ser republicano? Quer dizer
igualdade perante a lei, ter uma constituição que vale para todos, etc. Esses
elementos acabam determinando uma imagem de um cara que luta pelos seus
direitos, é assertivo, fala alto – e que acabou simplificado como machão”.
A
ideia que há um importante festival no estado que não permite a presença de
mulheres, demarca que nosso lugar nesta cultura é restrito. A falta de
credibilidade gerada pela estereotipação das diferenças de gênero chega a um ponto
tão limitador para a mulher que ela nem pensa sobre o quanto está sendo lesada.
Um exemplo disso é a quase inexistência de compositoras na música gaúcha,
acentuada pela falta de referências femininas, desfavorecendo assim o incentivo
ao ingresso e permanência neste fazer musical. (Apesar de trabalhar 8 anos
efetivamente no meio gauchesco e seus segmentos, só fui perceber que também
poderia compor aos 28 anos através da aproximação com mulheres compositoras no
Rio de Janeiro.)
Vinícius
Brum certa vez escreveu: “Passamos a vida mergulhados em águas profundas, e
vamos anualmente para aquela barranca de rio, em São Borja, para recarregar
nossos tubos de oxigênio. (...) se não vamos, morremos um pouco, morremos um
tanto por absoluta falta de ar, de sonho, de música e de uma irremediável
saudade do mato, do rio, dos amigos e da nossa, talvez, única e melhor
possibilidade.”
Somos
excluídas dessa e muitas outras vivencias. À nós, mulheres, só nos cabe como
nos poemas e músicas gaúchas esperar em casa e admirar tão grande feito
masculino. Apesar de não vivermos mais no século XIX, as ideias ainda
permanecem e as situações se repetem. Ainda continuamos a esperar que os homens
nos deem licença ou permissão para que possamos nos expressar. A liberdade da
mulher, o direito de ir e vir feminino nas veredas da música gaúcha só vai
ainda até onde os homens permitem."
Nota
do blog: Respeitamos a posição da violinista mas não
concordamos, no todo, com seus argumentos.
Em relação ao Festival
da Barranca, que proíbe a participação das mulheres, temos que analisá-lo como
um evento diferenciado dos demais festivais. Ele foi criado há 45 aos por meia
dúzia de amigos, músicos, pescadores e naquele contexto de rio e mato criaram
suas regras que são mantidas até hoje. É algo próprio, como a maçonaria que
dentre suas "Leis Imutáveis" proíbe o ingresso de mulheres ou como as
antigas tradições japonesas que determinam a mulher caminhar um pouco atrás de
seu marido. Isto é machismo? Analisando caso a caso pensamos que não. O
machismo é uma situação deplorável e vai muito além dos dogmas culturais.
Num passado recente
foram criadas as lindas Cavalgadas de Prendas, onde existe a proibição da
participação de homens. Isto é feminismo? Também pensamos que não.
No tocante a
musicalidade gauchesca, ela se debruça, 80%, na história riograndense sendo que
esta (história) ocorreu, principalmente, em funções das guerras de fronteiras e
do dia-a-dia campeiro onde a presença do homem era maciça. Esta vivência
influencia, e muito, na hora de compor. Talvez daí a dificuldade feminina na
elaboração de uma letra.
Mesmo assim são
diversas as participações de mulheres em festivais, principalmente de
poesias.
Talvez por estar
morando no Rio de Janeiro a autora do texto não tem acompanhado a evolução
feminina dentro do tradicionalismo. São inúmeras prendas trabalhando em prol da
preservação de nossos costumes nas linhas de frente de suas entidades como
coordenadoras regionais, patroas de CTG (o mais antigo de todos - 35 CTG - há anos é dirigido por mulheres), e outras
tantas funções de comando. Isto sem falar nas competições campeiras dos rodeios crioulos onde as mulheres tem presenças destacadas laçando e, até mesmo, domando. Que assim seja!