Há poucos dias atrás, mais precisamente em primeiro de março, comemorou-se aniversário da assinatura do Tratado de Paz de Ponche Verde que pôs fim a quase dez anos de lutas entre os farroupilhas e os imperiais. Isto quase todo mundo sabe. O que muita gente não sabe é que após cinco anos de conflito também foi tentada uma negociação de paz. Vejam como foi.
A primeira negociação de paz
ocorreu com a nomeação de Francisco Alves Machado para presidente da província,
o qual ofereceu a Bento Gonçalves anistia plena para negociar um tratado. Bento
respondeu em carta, a 7 de dezembro de 1840, propondo que: as dívidas
contraídas pela república fossem pagas pelo governo imperial, os escravos que
haviam sido alistados como soldados republicanos fossem libertados e que os
oficiais revolucionários fossem garantidos em seus postos, quando aproveitados
em serviço da Guarda Nacional. Para melhor firmar o tratado, Bento Gonçalves
solicitou uma conferência com o presidente, porém Alvares Machado negou-a por
saber que os farrapos tentavam aliciar à sua causa diversos legalistas, como o
coronel Manduca Loureiro e o coronel João da Silva Tavares. A recusa da
conferência importou em suspensão da anistia e consequente continuação da luta.
O sistema de guerrilha e a troca
constante de presidentes e comandantes de armas prolongaram a luta até que o
Barão de Caxias (futuro Duque) foi nomeado Presidente da Província e Comandante
Supremo Imperial em 9 de novembro de 1842, reorganizando o exército e chamando
para seu Estado Maior a Bento Manuel Ribeiro, que tinha se recolhido para o
Uruguai. O barão empregava toda sua força de 12.000 homens, conhecimento,
inteligência e experiência para minar a relativa supremacia farrapa no
interior, que contava com apenas 3.500 homens. Entre as várias ações, iniciou
uma campanha de estrangulamento da economia da República, atacando as cidades
da fronteira que permitiam o escoamento da produção de charque para Montevidéu
e Laguna, comprando cavalos para impedir que os Farrapos tivessem montaria e
reativando o comércio.
Lima e Silva, porém, não
conseguiu atrair os farrapos para uma batalha campal decisiva. O exército
republicano, sabendo de sua inferioridade numérica e de armamentos, evitou o
combate direto, tendo a campanha permanecido como uma série de pequenos
combates e escaramuças; quando perseguidos, os farroupilhas se refugiavam no
Uruguai.
Em 1844, Fructuoso de Rivera
propôs intermediar a paz entre legalistas e republicanos. Manuel Luís Osório
foi enviado ao acampamento de Rivera, onde encontrou-se com Antônio Vicente da
Fontoura, para avisar que Lima e Silva recusava a proposta de paz , mas que poderia
haver tratativas com o governo, porém sem a presença de terceiros. Vicente da
Fontoura foi enviado à corte para discutir a paz.
Luís Alves de Lima e Silva
recebeu instruções do Império, que temia o avanço de Rosas sobre o território
litigante, para propor condições honrosas aos revoltosos, como a anistia dos
oficiais e homens, sua incorporação ao Exército Imperial nos mesmos postos e a
escolha do Presidente da Província pela Assembleia Provincial, taxações sobre o
charque importado do Prata.
Entretanto, uma questão
permanecia insolúvel, a dos escravos libertos pela República para servir no
exército republicano. Para o Império Brasileiro, era inaceitável reconhecer a
liberdade de escravos dada por uma sedição, embora anistiasse os líderes da
mesma revolta.
Em novembro de 1844, estavam
todos em pleno armistício. Suspensão de armas, condição fundamental para que os
governos pudessem negociar a paz, levando ao relaxamento da guarda no
acampamento da curva do arroio Porongos. Canabarro e seus oficiais imediatos
foram a uma estância próxima visitar a mulher viúva de um ex-guerreiro farrapo
e o coronel Teixeira Nunes e seu corpo de Lanceiros Negros descansavam. Foi
então que apareceu Moringue, de surpresa, quebrando o decreto de suspensão de
armas. Mesmo assim o corpo de Lanceiros Negros, cerca de 100 homens de mãos
livres, pelearam, resistiram e bravamente lutaram até a aniquilação, em uma
posição de difícil defesa. Além disso, foram presos mais de 300 republicanos
entre brancos e negros, inclusive 35 oficiais.
O general Canabarro, recuperado,
reuniria ainda todo o restante de seu exército, cerca de 1.000 homens, e
atacaria Encruzilhada a 7 de dezembro de 1844, tomando-a e mostrando assim que
a sua intenção não era entregar-se.
Paz de Poncho Verde
Por fim, a 1° de março de 1845,
assinou-se a paz: o Tratado de Poncho Verde ou Paz do Poncho Verde, após quase
dez anos de guerra que teria causado 47.829 mortes. Entre suas principais
condições estavam a anistia plena aos revoltosos, a libertação dos escravos que
combateram no Exército piratinense e a escolha de um novo presidente provincial
pelos farroupilhas. O cumprimento parcial ou integral do tratado até hoje
suscita discussões. A impossibilidade de uma abolição da escravatura
regionalmente restrita, a persistência de animosidade entre lideranças locais e
outros fatores administrativos e operacionais podem ter ao menos dificultado,
senão impedido o cumprimento integral do mesmo. Tal discussão é remetida para o
artigo principal deste assunto.
Dos escravos sobreviventes,
alguns acompanharam o exército do general Antônio de Souza Netto em seu exílio no
Uruguai, outros foram incorporados ao Exército Imperial e muitos foram vendidos
novamente como escravos no Rio de Janeiro.