O EPICENTRO DO CHAMAMÉ
Por: Paulo de Freitas Mendonça (jornalista, pajador e apresentador)
Depois de alguns dias do encerramento da Festa Nacional de Chamamé e Festa do Chamamé do Mercosul, da cidade de Corrientes, na Argentina, passada a empolgação, resta a emoção recheada de lembranças. Corrientes é a capital da província de mesmo nome, na qual as duas mais expressivas manifestações culturais são o chamamé e o carnaval. No último final de semana da festa do chamamé, que acontecia no Anfiteatro Mário de Transito Cocomarola, iniciava o primeiro do carnaval no corsodromo (sambrodromo) que é apresentado em quatro finais de semana, completando oito dias de festa.
Este ano, para comemorar as 25 edições da festa do chamamé,
realizadas nas três últimas décadas, o Instituto de Cultura, entidade governamental
que realiza o evento, denominou como chamame de plata ou camino de plata.
Muitos dos seus artistas referenciais foram homenageados com o troféu dos 25
Anos, e dentre as ações paralelas houve o lançamento de um livro Um Camino de
Plata -1985-2015- Festa Nacional do Chamamé, com capa dura e 192 páginas
coloridas com textos e fotos de autores dos três países que participam deste
encontro cultural do Mercosul.
A festa do Chamamé é atualmente um dos mais importantes
eventos autóctones da América Latina, mobiliza um público de cerca de vinte mil
pessoas em cada uma das suas dez noites para assistir a mais de duzentos
espetáculos durante todo o período. Desde os nomes mais consagrados aos
iniciantes talentosos possuem espaço no palco Osvaldo Sosa Cordero, considerado
o templo sagrado do Chamamé.
É importante ressaltar que chamamé não é só uma canção como
diz uma das obras de Luiz Carlos Borges. Chamamé é crença, tradição e herança.
É mescla de ‘’sapukay’’ (clamor em voz alta), ‘’purajhei’’ (canto) e ‘’jeroki’’
(dança). É ‘’.ñade reko’’ (maneira de ser e estar). A festa do Chamamé também
carrega uma carga de religiosidade, sem perder seu foco cultural e de lazer,
pois a abertura oficial conta com uma solenidade de ingresso da imagem da
virgem de Itati ao palco, conduzida por um tradicionalista a cavalo e recebida
por um padre chamamecero. A imagem permanece junto às bandeiras dos países
participantes durante todas as noites da festa e só é retirada no encerramento
da última noite. Isto dá uma conotação tão respeitosa que mais de duzentas mil
pessoas passam pelo epicentro da festa e anualmente encerra sem sequer um
registro policial. É uma festa familiar que une aos países chamameceros do
continente. Com apresentadores e grupos musicais da Argentina, Brasil e
Paraguai, a festa está se tornando a mais importante para a integração cultural
no Mercosul, pois também alcança audiência maciça nestes três países através da
transmissão ao vivo por redes de televisão e em todo o mundo através da
internet. Cabe aqui ressaltar a razão deste sucesso televisivo. O festival
disponibiliza áudio e imagens em tempo real no satélite para quem quiser baixar
em qualquer parte do mundo sem custos. Também disponibiliza no site do festival
para quem quiser assistir ou retransmitir gratuitamente.
A qualidade das imagens reflete o padrão do palco do evento,
uma super infra-estrutura de som, luz, painéis de led, equipes de produção,
estúdios para entrevistas, profissionais experientes em cada setor, local
apropriado para imprensa e tudo que um mega festival de qualquer outro gênero
musical possua, a Festa Nacional do Chamamé oferece. O anfiteatro tem
capacidade para dezessete mil pessoas sentadas e mais espaço para cerca de
cinco mil pessoas em pé.
Mas a festa não é só o festival, como afirma Eduardo Sivori,
diretor geral do evento. Todo um entorno engrandece a celebração da alma do
chamamecero. Há fóruns de debates no próprio evento, seminários sobre chamamé
nas universidades, espetáculos paralelos nas praças da cidade no decorrer do
dia, uma bailanta em Ponte Pexoa, cidade da grande Corrientes, e muito mais.
Todo este contexto remete a um objetivo comum à comunidade Correntina, a
contemplação de sua origem guarani, na qual nasceu o chamamé.
Ficaria horas descrevendo os detalhes desta magistral festa
que “Ñade Ru” (Deus) me permite participar a cada ano, sobre o sucesso dos
brasileiros na festa, sobre os chamameceros conceituados na Argentina que
conhecemos no Brasil e outros tantos que não conechecemos suas obras, sobre os
artistas reconhecidos e não chamameceros que vão a Corrientes cantar chamamé,
sobre as maravilhosas manifestações populares que assistimos a cada noite no
anfiteatro, sobre o estilo próprio que correntinos possuem para dançar o
chamamé, sobre meu aprendizado e satisfação por estar no epicentro do mundo
chamamecero, sobre a presença da ministra da cultura na festa, sobre a presença do governador e do vice-governador na primeira fila todas as noites, assistindo ao festival, e tantas outras declarações que poderia dar. Mas prefiro encerrar
este texto que me solicitou o irmão de alma, blogueiro Léo Ribeiro, citando a
última frase que ouvi em Corrientes quando retornava para casa, depois de dez
dias no mais importante palco do chamamé mundial. Ao chegar num posto de
gasolina para a revisão natural que se faz ao sair de viagem, escolhi um
estabelecimento comercial localizado bem próximo do Corsodromo onde havia
iniciado o carnaval naquele final de semana anterior. Perguntei ao frentista se
havia aumentado o movimento do posto com o inicio do carnaval ali em frente.
Ele me respondeu, forçando um português aportunholado... Não... foram todos para
festa do chamamé....
Fotos: Divulgação