O secretário municipal de cultura, Sergius Gonzaga publicou no jornal Zero Hora, edição de 6 de maio de 2011, o artigo intitulado "A necessidade do imaterial". A seguir, o texto do artigo:
Primeiro foi a Feira do Livro. Depois, a Ospa e a Festa de Navegantes. A prefeitura de Porto Alegre, através de sua Secretaria Municipal da Cultura, tem se valido da Lei de Patrimônio Imaterial (promulgada e aplicada em 2004) para registrar oficialmente saberes, costumes, formas de expressão e celebrações enraizadas na tradição local e que traduzam, em sua diversidade e permanência, aspectos identitários de seus habitantes. Agora, chegou a vez das manifestações culturais nativistas, cujo processo de análise já foi iniciado pelos técnicos da SMC e que deverá estar concluído até o início dos festejos farroupilhas.
A questão da preservação do patrimônio nasceu da percepção coletiva de que uma cidade (ou uma região ou um país) sem memória é uma cidade sem rosto e sem alma. Porto Alegre demorou para incorporar a idéia de conservação do passado, destruída que foi, como outras cidades brasileiras,pela especulação febril dos anos 60 e 70 e pela indiferença dos modernistas, que viam no dominante estilo eclético das primeiras décadas do século 20 um pastiche da arquitetura européia.
Pouco a pouco, no entanto, criou-se uma consciência de que os monumentos e edificações do passado, mais do que o registro das tendências e aspirações de uma época e de que seu próprio valor estético, representavam o testemunho em "pedra e cal" de um momento histórico cuja continuidade ajudava a explicar o nosso modo de ver, de ser e de construir referenciais de mundo.
Em função disso, salvou-se uma parte significativa do Centro e uma legislação protecionista foi criada e regulamentada.
Dentro desta perspectiva, o registro do patrimônio imaterial é também uma forma de as comunidades resgatarem aspectos do imaginário coletivo que servem para delimitar a complexa e variada constituição desta "alma citadina", frequentemente soterrada pelas contínuas ondas de modernização vividas pelo país nas últimas décadas.
A escolha da cultura nativista em suas diversas afirmações - hábitos, indumentária, festas, culinária,musicalidade, vocabulário, valores éticos, identificação com o passado histórico, ideário associativo (CTGs,piquetes etc.) e consciência de pertencimento a um território mais espiritual do que físico - resulta do fato de que um considerável número de porto-alegrenses tem encontrado neste corpo de ideias, sentimentos e práticas sociais a sua mais funda identidade.
Nos anos 80, muitos intelectuais viram no nativismo gaúcho (então em forte desenvolvimento) uma restauração conservadora da ideologia oligárquica. Na verdade,não percebíamos que esse movimento multiforme era não apenas uma resposta ao centralismo autoritário e à cultura homogeneizadora dos meios audiovisuais de comunicação, mas também o estabelecimento de um laço afetivo com a vida campesina, irremediavelmente condenada ao desaparecimento pela marcha da sociedade industrial urbana.
Portanto, inscrever esta cultura como patrimônio imaterial da cidade é mais do que uma tarefa da prefeitura.
É um reconhecimento, um elogio e um dever.
Colaboração: Hilton Araldi
Primeiro foi a Feira do Livro. Depois, a Ospa e a Festa de Navegantes. A prefeitura de Porto Alegre, através de sua Secretaria Municipal da Cultura, tem se valido da Lei de Patrimônio Imaterial (promulgada e aplicada em 2004) para registrar oficialmente saberes, costumes, formas de expressão e celebrações enraizadas na tradição local e que traduzam, em sua diversidade e permanência, aspectos identitários de seus habitantes. Agora, chegou a vez das manifestações culturais nativistas, cujo processo de análise já foi iniciado pelos técnicos da SMC e que deverá estar concluído até o início dos festejos farroupilhas.
A questão da preservação do patrimônio nasceu da percepção coletiva de que uma cidade (ou uma região ou um país) sem memória é uma cidade sem rosto e sem alma. Porto Alegre demorou para incorporar a idéia de conservação do passado, destruída que foi, como outras cidades brasileiras,pela especulação febril dos anos 60 e 70 e pela indiferença dos modernistas, que viam no dominante estilo eclético das primeiras décadas do século 20 um pastiche da arquitetura européia.
Pouco a pouco, no entanto, criou-se uma consciência de que os monumentos e edificações do passado, mais do que o registro das tendências e aspirações de uma época e de que seu próprio valor estético, representavam o testemunho em "pedra e cal" de um momento histórico cuja continuidade ajudava a explicar o nosso modo de ver, de ser e de construir referenciais de mundo.
Em função disso, salvou-se uma parte significativa do Centro e uma legislação protecionista foi criada e regulamentada.
Dentro desta perspectiva, o registro do patrimônio imaterial é também uma forma de as comunidades resgatarem aspectos do imaginário coletivo que servem para delimitar a complexa e variada constituição desta "alma citadina", frequentemente soterrada pelas contínuas ondas de modernização vividas pelo país nas últimas décadas.
A escolha da cultura nativista em suas diversas afirmações - hábitos, indumentária, festas, culinária,musicalidade, vocabulário, valores éticos, identificação com o passado histórico, ideário associativo (CTGs,piquetes etc.) e consciência de pertencimento a um território mais espiritual do que físico - resulta do fato de que um considerável número de porto-alegrenses tem encontrado neste corpo de ideias, sentimentos e práticas sociais a sua mais funda identidade.
Nos anos 80, muitos intelectuais viram no nativismo gaúcho (então em forte desenvolvimento) uma restauração conservadora da ideologia oligárquica. Na verdade,não percebíamos que esse movimento multiforme era não apenas uma resposta ao centralismo autoritário e à cultura homogeneizadora dos meios audiovisuais de comunicação, mas também o estabelecimento de um laço afetivo com a vida campesina, irremediavelmente condenada ao desaparecimento pela marcha da sociedade industrial urbana.
Portanto, inscrever esta cultura como patrimônio imaterial da cidade é mais do que uma tarefa da prefeitura.
É um reconhecimento, um elogio e um dever.
Colaboração: Hilton Araldi