RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA
A tomada da Ponte da Azenha, do pintor Augusto Luiz de Freitas (Instituto de Educação General Flores da Cunha, Porto Alegre/RS)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

POEMA VENCEDOR DA SESMARIA

AUTOR: TADEU MARTINS

EX-CARRETA

Viu, Aurélio?,
Gaiota deve ser gaiola
(sem a travessa no tê).

Gaiota é clausura onde se encerram distâncias.
Recinto fechado de direito concedido às estradas.

Dela não sai rastro
nem o som da terra.

O seu procedimento está no asfalto
perdendo ruídos
suportável na aflição das máquinas
sem estilo próprio.

Gaiota não tem horizonte
esbarra nas esquinas.

Perdeu a vontade de andejar
porque os rumos se corromperam
deixando sonhos pelos acostamentos.

Não tem a Estrela d’Alva
nem o passo a passo da esperança
porque a pressa do pão
não tem pachorra de bois.

Basta uma gaiota para carregar misérias.

O atrelo é diferente da canga
E a regeira da piola.

As cargas de erva-mate e de fumo
não têm afinidades com papelões
(nem a tulha com saquinhos de plástico).

Por outro lado o delito ainda é maior
usa um cavalo no cabeçalho
(que nasceu para os arreios).

Viu, Aurélio?
Enquanto a chapa soldada a forja e areia
cintando o cambotado
rodando rodando pesarosa
no gemido elevado de levar
da carreta cada vez mais longe
estava o progresso do sul.

O espírito dela era a dor do eixo
lá estava o ser livre.
Sua gemência ligava à Terra
elevando no espaço o que o vento pedia
que a cada pouso
o tempo cuidasse de aquerenciar.

Lá mostrava aos homens o que era tolerância
pelo sebo da untura da vida
e pelo carvão sem veemência.

Por isso hoje o chiar de uma chaleira
nos puxa o coração à paciência.
Por isso que o choro de uma criança
querendo futuro nos leva ao passado.
Por isso que o gemido de qualquer portão
homenageia as estradas.

Por isso que estas cidadezinhas
com cadeiras de cambotas ringidas
entardecendo calçadas
têm as dores elevadas do sacrifício dos rastros
para os amanhãs.

Não dos amanhãs que andam hoje pelas ruas das gaiotas
destes amanhãs que voltam aqui de novo
carregando os jogados fora
que o coletivo pessoalmente das famílias
não sabe da fome dos lixões.

Veja só, Aurélio,
cada órgão da carreta nascia no mato
copiado de pássaros
para o sobrevir do Rio Grande
e cada órgão da gaiota vem da sucata
para a sobrevivência das periferias.

A gaiota vive de carreto
(pelo menos conserva o nome de família).

Quando os bois eram cangados na boieira
nos fogões apagados
pousavam sonhos de moradia
não de algo indeterminado
como nos sorteios de casa própria.

Enfim gaiota é crise mesmo de carreta
que conforme o teu livrão:
- Fase difícil, grave, na evolução das coisas.

Colaboração: Luciano Salermo